terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Concurso público em ano eleitoral

Em 2018, dia 7 de outubro, haverá eleições gerais para Presidente e Vice-Presidente da República, Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal, Senador, Deputado Federal, Deputado Estadual, Deputado Distrital.
Por se tratar de ano eleitoral e por haver inúmeras pessoas que sonham com o ingresso no serviço público, há corriqueiras dúvidas sobre a possibilidade de realização de concurso público e da nomeação de candidatos aprovados nesse ano.
Visando a prestar um pequeno auxílio, seguem algumas considerações acerca do tema sob a ótica da legislação eleitoral.
Prescreve o artigo 73 da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), tratando das “condutas vedadas”:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
[...]
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir [...] servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
Conforme se percebe, o dispositivo legal em apreço não veda, sob qualquer hipótese, a realização de concurso durante o ano eleitoral. Assim, em 2018, é plenamente possível, sob a ótica eleitoral, a realização de concurso público.
A vedação legal diz respeito à nomeação[1]<!--[endif]-->nos três meses que antecedem o prélio eleitoral. Em 2018, a vedação se estende de 7 de julho até a posse dos eleitos (“período vedado”). Em outros meses, não há, a princípio, ilicitude na nomeação de aprovados.
Importante notar que a vedação legal não se aplica à posse, ato diverso que pode, sim, ocorrer durante o período vedado, até mesmo porque, de acordo com o artigo 13, §§ 1º e 6º, da Lei 8.112/90, no âmbito federal, a posse deve ocorrer em até trinta dias da nomeação, sob pena de esta ser tornada sem efeito.
Foi esse o entendimento veiculado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Consulta nº 1065, sob a Relatoria do Ministro Fernando Neves da Silva:
Consulta. Recebimento. Petição. Art. 73, V, Lei nº 9.504/97. Disposições. Aplicação. Circunscrição do pleito. Concurso público. Realização. Período eleitoral. Possibilidade. Nomeação. Proibição. Ressalvas legais.
 1. As disposições contidas no art. 73, V, Lei nº 9.504/97 somente são aplicáveis à circunscrição do pleito.
 2. Essa norma não proíbe a realização de concurso público, mas, sim, a ocorrência de nomeações, contratações e outras movimentações funcionais desde os três meses que antecedem as eleições até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito.
 3. A restrição imposta pela Lei nº 9.504/97 refere-se à nomeação de servidor, ato da administração de investidura do cidadão no cargo público, não se levando em conta a posse, ato subseqüente à nomeação e que diz respeito à aceitação expressa pelo nomeado das atribuições, deveres e responsabilidades inerentes ao cargo.
 4. A data limite para a posse de novos servidores da administração pública ocorrerá no prazo de trinta dias contados da publicação do ato de provimento, nos termos do art. 13, § 1º, Lei nº 8.112/90, desde que o concurso tenha sido homologado até três meses antes do pleito conforme ressalva da alínea c do inciso V do art. 73 da Lei das Eleições.
 5. A lei admite a nomeação em concursos públicos e a conseqüente posse dos aprovados, dentro do prazo vedado por lei, considerando-se a ressalva apontada. Caso isso não ocorra, a nomeação e conseqüente posse dos aprovados somente poderão acontecer após a posse dos eleitos.
 6. Pode acontecer que a nomeação dos aprovados ocorra muito próxima ao início do período vedado pela Lei Eleitoral, e a posse poderá perfeitamente ocorrer durante esse período.
 7. Consoante exceções enumeradas no inciso V, art. 73, as proibições da Lei nº 9.504/97 não atingem as nomeações ou exonerações de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança; as nomeações para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República; as nomeações ou contratações necessárias à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do chefe do Poder Executivo e as transferências ou remoções ex officio de militares, de policiais civis e de agentes penitenciários.
Impende observar, ainda, que as vedações sob exame são aplicadas na “circunscrição do pleito”.
De acordo com o artigo 86 da Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral), “Nas eleições presidenciais, a circunscrição será o País; nas eleições federais e estaduais, o Estado; e nas municipais, o respectivo município”.
Nesse ínterim, a circunscrição eleitoral diz respeito à esfera administrativa que está em disputa: se a eleição for municipal, as vedações se aplicam ao município, caso contrário, como em 2018, as vedações se aplicam aos Estados e à União.
O Tribunal Superior Eleitoral também se manifestou acerca do tema na Consulta acima transcrita, ocasião em que o eminente Relator, Ministro Fernando Neves, asseverou:
Ressalto que a ANEEL, entidade autárquica federal, nas eleições de 2004 não está sujeita às vedações impostas pela Lei Eleitoral, uma vez que, por se tratar de eleições municipais, essas disposições são aplicáveis tão-somente à circunscrição do pleito, conforme expressamente prevê a regra do art. 73, V, da Lei n2 9.504/97.
A despeito das vedações apontadas, o próprio artigo 73, inciso V, apresenta exceções.

  • A primeira delas – nomeação de cargos em comissão e designação de funções de confiança, por não tratar de concurso público –, não merece, nesse momento, atenção especial, por não tratar de hipóteses de investidura em cargos públicos mediante prévio certame público.
  • Constitui também exceção a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República.
  • A terceira escusa fixa marco temporal específico: se o concurso foi homologado até três meses antes do dia do pleito, no caso das eleições de 2018, até 7 de julho, é lícita a nomeação dos aprovados.
  • A última exceção é “a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo”.

  • Aqui, mister delinear o que são serviços essenciais sob a ótica do que já foi decidido pelo Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Especial Eleitoral nº 27563, cuja Relatoria coube ao Ministro Carlos Ayres Britto:
    CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITORAL. ART. 73, INCISO V, ALÍNEA "D", DA LEI Nº 9.504/97.
     1.   Contratação temporária, pela Administração Pública, de professores e demais profissionais da área da educação, motoristas, faxineiros e merendeiras, no período vedado pela lei eleitoral.
     2.   No caso da alínea d do inciso V da Lei nº 9.504/97, só escapa da ilicitude a contratação de pessoal necessária ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais.
     3.   Em sentido amplo, todo serviço público é essencial ao interesse da coletividade. Já em sentido estrito, essencial é o serviço público emergencial, assim entendido aquele umbilicalmente vinculado à “sobrevivência, saúde ou segurança da população".
     4.   A ressalva da alínea d do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504/97 só pode ser coerentemente entendida a partir de uma visão estrita da essencialidade do serviço público. Do contrário, restaria inócua a finalidade da lei eleitoral ao vedar certas condutas aos agentes públicos, tendentes a afetar a igualdade de competição no pleito. Daqui resulta não ser a educação um serviço público essencial. Sua eventual descontinuidade, em dado momento, embora acarrete evidentes prejuízos à sociedade, é de ser oportunamente recomposta. Isso por inexistência de dano irreparável à "sobrevivência, saúde ou segurança da população".
     5.   Modo de ver as coisas que não faz tábula rasa dos deveres constitucionalmente impostos ao Estado quanto ao desempenho da atividade educacional como um direito de todos. Não cabe, a pretexto do cumprimento da obrigação constitucional de prestação "do serviço", autorizar contratação exatamente no período crítico do processo eleitoral. A impossibilidade de efetuar contratação de pessoa em quadra eleitoral não obsta o poder público de ofertar, como constitucionalmente fixado, o serviço da educação.
    Interessante a ressalva consignada pelo Exmo. Ministro Relator de que, “Em sentido amplo, todo serviço público é essencial. Do contrário, não seria serviço público”. Levando-se em conta tal premissa, a Corte Superior Eleitoral, ao acompanhar, à unanimidade, o eminente Relator, firmou o entendimento de que serviço essencial, na acepção trazida pela lei eleitoral, diz respeito àquele emergencial, que “não pode sofrer solução de continuidade, sob pena de prejuízos irreparáveis aos seus destinatários”, devendo ser consideradas necessidades inadiáveis “aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, nos termos do artigo 11, parágrafo único, da Lei nº 7.783/89.
    Assim, perspicaz o Tribunal Superior Eleitoral ao entender essenciais os serviços especificados na Lei de Greve, em especial, no artigo 10, tais sejam: tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo e compensação bancária.
    Registre-se que as considerações aqui tecidas tratam das chamadas “condutas vedadas”, cuja prática, além da anulação da nomeação, pode sujeitar o infrator a outras consequências, a saber: multa; cassação do registro ou do diploma; inelegibilidade; além de configurarem, em tese, ato de improbidade administrativa, conforme se dessume dos preceptivos legais abaixo transcritos:
    Lei nº 9.504/1997:
    Art. 73...
    [...]
    §4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
    §5º Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no §10, sem prejuízo do disposto no §4º, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
    §6º As multas de que trata este artigo serão duplicadas a cada reincidência.
    §7º As condutas enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às disposições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.
    §8º Aplicam-se as sanções do § 4º aos agentes públicos responsáveis pelas condutas vedadas e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.
    Lei Complementar nº 64/1990:
    Art. 1º São inelegíveis:
    I - para qualquer cargo:
    [...]
    j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;       (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)
    Avulta consignar, ainda, que determinadas práticas as quais, a princípio, não se enquadram como “condutas vedadas”, podem configurar outros ilícitos, como abuso do poder político ou econômico, desde que restem comprovados, dentre outros, o desvio de finalidade e a gravidade da conduta, conforme já entendeu o Tribunal Superior Eleitoral no Recurso Contra Expedição de Diploma nº 698, sob a Relatoria do Ministro Felix Fischer:
    13. O art. 73, V, da Lei nº 9.504/97 veda, nos três meses que antecedem ao pleito, as condutas de  nomear, contratar ou, de qualquer forma, admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito [...], sua alínea a impõe ressalva quanto a  nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança. Entretanto, é necessário que se apure a existência de desvio de finalidade. No caso, por um lado, estes cargos comissionados foram criados por decreto, com atribuições que não se relacionavam a  direção, chefia e assessoramento, em afronta ao disposto no art. 37, V, CR/88; por outro, os decretos que criaram estes cargos fundamentaram-se na Lei Estadual nº 1.124/2000, sancionada pelo governador anterior, cuja inconstitucionalidade foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal apenas em 3.10.2008 (ADIn 3.232, 3.390 e 3.983, fls. 10.886-10.911). Abuso de poder caracterizado com fundamento: a) no volume de nomeações e exonerações realizadas nos três meses que antecederam o pleito; b) na natureza das funções atribuídas aos cargos que não demandavam tamanha movimentação; c) na publicidade, com nítido caráter eleitoral de promoção da imagem dos recorridos, que foi vinculada a estas práticas por meio do programa Governo mais perto de você.
    [...]
    Recurso a que se dá provimento para cassar os diplomas dos recorridos.
    Destarte, é possível realizar de concurso público e nomear aprovados em ano eleitoral, desde que haja amparo nas específicas hipóteses legais acima apontadas.

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