sábado, 5 de janeiro de 2019

Terras indígenas da Amazônia garantem equilíbrio climático global, diz estudo Documento foi apresentado durante a Conferência da ONU, em Lima, que tem entre seus temas centrais a integridade desses territórios


Ativistas do Greenpeace e índios Mundukuru usam pedras para formar a frase “Tapajós Livre” nas areias às margens do rio de mesmo nome, próximo a Itaituba, no Pará
Foto: Divulgação/Marizilda Cruppe/GreenpeaceRIO - Os territórios indígenas da Amazônia estão entre os grandes responsáveis pelo equilíbrio climático global. Se, antes, as demarcações tinham enfoque sobretudo na preservação da cultura e dos povos, novos estudos vêm mostrando que a manutenção dessas regiões tem uma importância ainda mais abrangente, sendo fundamentais para a estabilidade de ecossistemas. Esse alerta foi reforçado ontem por uma pesquisa divulgada durante a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Lima — que inclusive já foi apelidada de “COP indígena”, dada a projeção que o assunto terá no encontro que se realiza até o dia 12.No estudo, organizações internacionais afirmam que territórios indígenas da Amazônia, perpassando nove países latino-americanos, estão entre os principais armazenadores de carbono do mundo. Ou seja, se tais reservatórios de carbono presente na vegetação forem afetados — por exemplo por desmatamentos ou queimadas —, serão liberadas na atmosfera grandes quantidades de CO2, provocando alterações climáticas profundas.
— Isso significa que o reconhecimento internacional e o investimento nas áreas indígenas são essenciais para assegurar sua contínua contribuição para a estabilidade climática global — afirmou Richard Chase Smith, do Instituto Bem Comum no Peru, um dos autores do estudo.
PELO MENOS 20% DE FLORESTAS
O documento alerta, entretanto, que o contrário é que vem ocorrendo: pelo menos 20% das florestas amazônicas estão sob risco da exploração madeireira legal e ilegal, construção de novas estradas e barragens, expansão da agricultura comercial, mineração e indústrias de petróleo.
Por exemplo, uma recente análise da organização “Rights and Resources Initiative” mostra que a maioria dos projetos de mineração, óleo e gás, exploração madeireira e agricultura envolvem terras que já estavam habitadas e que esses projetos acabam provocando conflitos e perdas financeiras. O relatório estudou 73 mil concessões em florestas tropicais, principalmente na América Latina, e verificou que 93% estavam em áreas indígenas ou em comunidades locais.A Amazônia legal brasileira cobre cerca de 500 milhões de hectares, abrigando um estoque de 49 bilhões de toneladas de carbono, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). Estima-se que, nas florestas contidas nos 100 milhões de hectares de terras indígenas, estejam estocados 13 bilhões de toneladas de carbono.
— Isso equivale a um ano de emissões de gases de efeito estufa no mundo inteiro — comparou o diretor-executivo do instituto, Paulo Moutinho. — Os indígenas são os guardiões desse armazém de carbono, para que ele não seja destruído e não haja impacto no clima. O problema é que tal papel não é reconhecido nem recompensado.
A integridade dos territórios indígenas é a pauta central dos representantes de diversas etnias que participam do evento em Lima. Da conferência, espera-se que os cerca de 190 governos consigam elaborar um rascunho de um tratado para ser ratificado no próximo encontro, previsto para 2015, em Paris, na cúpula que é uma continuação do Protocolo de Kyoto e cujo tratado entrará em vigor em 2020.
— Com sucesso nas discussões, a COP 20 poderá definir um acordo forte em Paris e aumentar a ambição de longo prazo, que é a neutralidade climática — defendeu ontem, em Lima, Christiana Figueres, secretária-executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas.Ela pontuou os resultados-chave esperados da conferência: o rascunho de um novo e universal acordo de mudança climática; o estímulo à ação de agentes para acelerar as soluções propostas; e a melhora da distribuição de investimentos em áreas mais vulneráveis, por exemplo as indígenas.
— Por estar sendo realizada no Peru, a conferência dá um peso maior para a Amazônia e as populações indígenas, criando uma oportunidade adicional que não voltará a ocorrer nos próximos anos — afirmou Moutinho. — Fato é que a manutenção dessas áreas florestais é fundamental para a saúde econômica do país no futuro. Os que acharem que isto é um impedimento ao desenvolvimento, estão equivocados.
Se o ritmo de destruição continuar, pelos dados do Centro Canadense de Modelagem e Análise Climática, há uma previsão, para o ano 2050, de redução de 20% a 30% das chuvas na Amazônia brasileira, levando à maior incidência de secas e incêndios. E as populações locais já estão sentindo esses efeitos, com o atraso do início do período de chuvas. Além de afetá-los diretamente, isso também poderia prejudicar, segundo Moutinho, o funcionamento de hidrelétricas, um dos principais investimentos do governo para a região.
Aliás, as emissões de gases do efeito estufa na atmosfera aumentaram 7,8% no Brasil em 2013, em comparação com 2012, segundo relatório divulgado pelo Observatório do Clima. E, para o coordenador de políticas públicas do Greenpeace no Brasil, Márcio Astrini, um dos principais fatores para esse cenário foi a necessidade de geração térmica, já que a hidrelétrica não foi suficiente para as demandas brasileiras no período.— Além de poluir mais, ela aumenta a conta de luz — critica. — O Brasil poderia sair na liderança no mercado de energias renováveis, como a eólica e a solar, mas tem feito o contrário: o investimento em hidrelétricas, que tem efeitos danosos sociais e ambientais, e em combustíveis fósseis.
PROTESTO NO PARÁ
Há uma semana, indígenas Munduruku, com o apoio do Greenpeace, realizaram um protesto contra a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós, no Pará. Na visão do governo federal, a energia hidrelétrica tem papel importante na integração e no desenvolvimento de regiões distantes dos grandes centros industriais. A de São Luiz do Tapajós (primeira das cinco previstas no complexo) seria a segunda maior do país, com geração energética de 8.381 megawatts, perdendo só para a de Belo Monte. Mas, para os manifestantes, a área a ser alagada é rica em biodiversidade e abriga uma das principais porções de floresta intacta do país.
Os povos indígenas e ambientalistas também têm lutado contra a aprovação da PEC 215 — que pode ser votada hoje na comissão especial para, depois, seguir ao plenário. O projeto, segundo os grupos, abriria caminho para a redução de terras indígenas em favor de empreendimentos mineradores e hidrelétricos. Ontem, por conta da votação, cerca de 50 indígenas protestaram em Brasília.

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